terça-feira, 9 de março de 2010

Os Verdes Anos e o Portugal revisitado…Capítulo IX











O ano era 1979. A Luísa estava a completar o seu segundo ano a residir no Brasil.
Um passo importante na construção da nossa vida como família tinha sido dado ao encontrar o nosso primeiro lar, um apartamento que alugáramos em 1978, deixando para trás a casa da mãe Eduarda na Rua Duque de Caxias, onde vivemos os primeiros meses da nossa vida em comum.
O apartamento que escolhemos era numa das principais avenidas de Porto Alegre, cidade situada no sulista estado do Rio Grande do Sul, de largas tradições independentistas e arraigada identidade.
A socialização e integração na sociedade local não é fácil para ninguém, como não o foi para a Luísa. Os gaúchos, como se apelidam os naturais do Rio Grande do Sul, são caracterizados por constituir uma sociedade relativamente fechada e pouco permeável ao exterior, facto que contrasta com a imagem que temos do brasileiro em geral, alegre e extrovertido. A isto não deve ser alheio o facto da colonização do sul do Brasil ter ficado a dever-se maioritariamente a alemães, italianos, polacos, portugueses, entre outras nacionalidades europeias.
Aos nativos indígenas aconteceu o que maioritariamente sucede nos processos coloniais, e que também ocorreram no restante do território brasileiro: tribos inteiras foram simplesmente exterminadas ou, em alternativa, aculturados à sociedade branca dominante que lhes reservou, como é habitual nestas circunstâncias, um espaço confinado em reservas ou o trabalho braçal escravo ao serviço do invasor. Curiosamente, a fixação da raça negra nesta região foi sempre diminuta, quer pela menor adaptação desta população a condições climáticas mais agrestes, quer eventualmente fruto de ideais abolicionistas que cedo identificaram o povo sulista como humanista e com fortes preocupações sociais.
De volta à Luísa, ela teve sempre no nosso amigo Paulo Rosa e família um ponto de apoio muito importante, como falei anteriormente, ligação que se mantém fortalecida e viva até hoje.
E aqui abro espaço para recordar, sempre com saudade e muita estima, as primeiras cortinas que tivemos no nosso apartamento, em tecido verde, que foram confeccionadas pela D. Nice, mãe do Paulo e ainda reutilizadas nos 2 apartamentos onde vivemos desde que regressámos a Portugal.
Ou a festa do baptizado da Marta, de quem o Paulo é padrinho, que foi feita em casa dos pais dele na Rua Lucas de Oliveira, sendo assador do churrasco o pai dele, o Sr. Geraldo, mister onde era imbatível quer na selecção da carne quer na qualidade do assado. Foi também ele que foi meu fiador na compra de uma carrinha Brasília bege, fazendo confiança naquele portuga de sotaque abrasileirado, com tempero gaúcho. Esta festa ficou para mim memorável, não só pelo baptizado em si como por uma valente bebedeira que apanhei, fruto da explosiva combinação de um estômago vazio com umas quantas caipirinhas de aperitivo pré-churrasco...Valeu-me a cama no quarto do Paulo e o ar condicionado ligado no máximo, para conseguir acalmar a casa que teimava em andar à roda! Deu-me até para o choro...As figuras que a gente faz! Ainda bem que a Marta era pequenina, para não ver o belo exemplo o pai lhe estava a dar...
A companhia do Paulo Rosa trouxe-nos a amizade de outros gaúchos que importa aqui mencionar: a Ina, o Ralph, a Neca, a Jussara, a Alice, entre outros, com quem convivemos e viajámos muitas vezes, para passar fins de semana na casa dos pais da Ina em Gramado, na Serra Gaúcha ou para acampar em tendas (julgo que foi uma premiere para a Luísa…) junto do canyon do Itaimbézinho, no Parque Natural dos Aparados da Serra, no meio de uma paisagem poderosa e exuberante, tendo porcos selvagens como companhia ao despertar…
Foi neste cenário que me iniciei numa das minhas especialidades gastronómicas, originária da cozinha campeira gaúcha, a já afamada "puta pobre", sempre acompanhada por muito vinho carrascão da marca Petronius, comprado em garrafão por ser mais barato!
E Portugal?
Dois anos tinham-se passado e para a família da Luísa impunha-se saber como estava e rever a sua querida e “rebelde” filha Luísa, apelidada carinhosamente pelo seu pai Joaquim como “a sua borrega”.
E foi assim que o jovem casal decidiu vir passar o Natal de 79 a Portugal, junto da família Trindade, no meu caso um regresso ao país quase quatro anos e meio após ter dali saído. Como se provou, iria encontrar uma realidade social, económica e cultural profundamente alterada.
Antes de descrever alguns episódios desse regresso, gostaria de regressar ao tema do capítulo IV, para sublinhar um facto que ficou omisso e que me parece agora ser importante para compreender a decisão de não ter vindo a Portugal para casar:
O Brasil em 1977 vivia debaixo do jugo de uma ditadura militar, que governava o país com mão de ferro, à imagem e semelhança do que acontecia noutros países latino americanos como o Chile ou a Argentina, apenas suavizada pelo carácter mais dócil e menos sanguinário do povo brasileiro, quando comparado com a realidade da restante América Latina de idioma castelhano.
No poder estava o general Ernesto Geisel, gaúcho de origem alemã. Tinha como chefe da Casa Civil o temido e todo-poderoso general Golbery do Couto e Silva.
Assistia-se no país a uma situação económica grave, caracterizada na vertente externa por uma dívida gigantesca, que veio a exigir complexas negociações com o FMI e internamente por um processo inflacionário galopante, com alterações constantes de preços.
Para combater esta situação, uma das medidas que o governo impôs foi a tributação excepcional a todos os cidadãos que viajassem ao exterior, a que apelidou eufemisticamente de depósito compulsório. Este imposto consistia em depositar no Banco do Brasil a quantia de vinte mil cruzeiros, reembolsável ao final de dois anos, sem quaisquer juros ou correcção monetária.
Aquilo que para vós poderá passar por uma medida correcta, considerando que quem tivesse condições para viajar ao exterior teria também condições para suportar esta “poupança forçada”, como parte do esforço necessário para reequilibrar as contas do país, na verdade configurava um confisco fiscal dessa quantia, tendo em linha de conta que os mesmos vinte mil cruzeiros (ou o equivalente noutra moeda que estivesse em circulação...) seriam devolvidos ao contribuinte tinham sido corroídos integralmente pela hiperinflação existente, tendo perdido totalmente o respectivo poder de compra.
E, para o jovem Jorge, em começo de vida e com reduzida capacidade financeira, dispor de vinte mil reais para ir casar a Portugal não estava nos planos.
Ainda assim não desistiu sem luta!
Escreveu uma carta, no seu melhor português, dirigida ao chefe da Casa Civil da Presidência da República Brasileira, expondo o seu caso e argumentando a favor de uma dispensa ao pagamento desse tributo.
É claro que a resposta foi uma valente nega, mas devidamente embrulhada num atencioso telegrama (forma arcaica de comunicação escrita, que caiu em desuso no sec. XXI…) assinado pelo dito general Golbery…
Não consegui os meus intentos, mas pelo menos fiquei bem na fotografia para um dia apresentar aos sogros, cunhados e restante galera!
Dezembro de 79 foi então um mês de muita felicidade para o casal Iolanda e Joaquim Trindade.
Reverem a sua “voluntariamente desterrada” filha Luísa nos confins do inóspito Brasil, poderem matar saudades, saber das novidades da sua vida de casada e poderem ir almoçar com ela e restantes filhos à messe de Caxias, que na época estava na moda, deslocando-se no seu emblemático Citroen DS 21 azul, boca de sapo…
Notei em algumas caras que o impacto inicial foi impregnado por alguns ares de surpresa, por considerarem que a Luísa estava mais magra, no que subentendi como uma preocupação com potenciais maus-tratos infligidos pelo recém incorporado e ainda razoavelmente desconhecido genro!
Comparando com fotografias de solteira a principal modificação tinha sido uma evidente redução nas bochechas no que, para o meu gosto, foi uma natural e desejável evolução da sua fisionomia de adolescente para mulher.
Mas para além desta alteração, uma outra ainda mais pronunciada e bela estava já a caminho, de que falaremos adiante…
Enfim, e no que concerne ao critério estético do marido, o casamento tinha-lhe feito muito bem!
Foi um primeiro passo na minha conquista de um lugar de direito e não só de facto, no seio desta família tão peculiar na sua união.
Com os cunhados as relações foram-se retomando naturalmente, revendo a agora mais dialogante Landinha, que já se fazia acompanhar pelo marido escocês Tom e a nossa querida sobrinha Maureen, linda nos seus caracóis e carinha apetitosa, o João Carlos sintomaticamente agora sem barbas, o Joaquim com o seu robusto bigode e arrastando asa para uma misteriosa Amélia e a sempre linda e fresca Helena, ainda uma miúda inconsequente.
E entre os amigos também se gerou uma onda de curiosidade para rever ou melhor conhecer essa ave rara, ou de rapina, que tinha conquistado o coração da Luísa: A Rosário que apareceu com o seu filho João, a Guida, as gémeas Clara e Madalena e a Sofia, a Nini, a São, entre outros.
A Luísa e eu ainda fomos passar uns dias a visitar a minha família de S. Mamede Infesta/Porto, passeamos por Lisboa, fomos a Santarém no Opel Kapitan da família Faro comprar roupa na fábrica e mais não me recordo.
Uma avalanche de emoções neste reencontro com a família, os amigos, revisitar o nosso país e os locais da nossa infância e adolescência, como que internalizando pela primeira vez que a nossa realidade agora era outra, que já não pertencíamos aqueles locais e que o caminho por que optáramos se fazia por terras longínquas, por culturas e hábitos diversos, sem efectivamente saber se um dia voltaríamos a morar em Portugal ou se este tinha passado a ser uma válvula de escape para a eterna saudade lusitana.
A História segue dentro de momentos...

5 comentários:

  1. fazes-me chorar no trabalho panzón..! tou acompanhar o relato, completamente viciada..sempre achei que o vosso casamento tinha sabido a pouco, nada de fotografias, de festa e de vestidos..agora vejo tudo de maneira diferente, agora percebo as dificuldades, o amor imenso, a aventura!!! e começo a perceber que... és romântico papi, quem diria!! consegues ser ainda mais bonito*

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  2. Olá,
    Reparei nas fotos e parecia uma das gemeas de quem fui muito amiga, da Madalena e Clara de Caxias.
    Gostava de saber se sao elas, pois daqui deste lado está a Margarida de S. Miguel, que viveu um ano com elas em Caxias.
    Se for uma delas ou conhecer, gostava que se podesse me desse o contacto delas.

    Desde já os meus agradecimentos.

    Margarida Moniz

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  3. Creio que posso ajudar mais uma vez:
    É, efectivamente, uma das gémeas mas não sei qual delas!
    Em qualquer dos casos passo-lhe o e-mail da Clara: clara-faro@netcabo.pt.
    Espero ter ajudado no reencontro das amigas...

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