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O mais penoso nas deslocações a Portugal era despedida e a natural incerteza do quando aqui retornaríamos.
A minha permanência estava sempre condicionada ao número de dias de férias laborais. Mas a Luísa tinha neste aspecto maior liberdade de movimentos. O que fazia com que, por mais de uma vez, o seu regresso fosse posterior ao meu. E muito me custava e fazia sentir só o regressar a casa sem ela, habituado que já estava à presença da minha cara-metade.
E esta falta viria a ser ainda mais crucial no período em que residimos em Recife, longe da minha mãe e irmãs.
De volta a Porto Alegre, o ano de 1980 viria ser marcante para nós, com o nascimento da nossa primogénita, que só quisemos saber no momento do parto que viria a ser uma Marta!
A Luísa, que já estava grávida aquando da viagem a Portugal em Dezembro de 1979, teve uma mudança fisionómica marcante com a gravidez, que a tornou menos menina e mais mulher, mas isto sem alterar a sua linda figura!
Sem percalços de maior aproximámo-nos desse momento mágico que é o nascimento de um filho.
Eu diverti-me imenso a comprar todos os artefactos para bebé existentes na época (as fraldas ainda eram de pano…), como escovas, diferentes tamanhos de biberões, termómetros e outros, alguns que se viriam a demonstrar de utilidade prática duvidosa…
Num sábado a mãe Eduarda, afamada cozinheira e sabedora da apetência da Luísa para uma boa feijoada à brasileira, convidou-nos para almoçar.
Já não recordo quem participou, se a Caxixa e o seu namorado da época, o gaúcho Roberto (o português Fernando Fonseca já era história…) e a Pulga, que não sei se ainda namorava o João Pedro ou se já tinha abandonado o seu relacionamento lusitano, optando pelo paulista Valentino de origem italiana.
Mas que a feijoada estava boa, estava mesmo…
E, por honestidade intelectual, podemos até admitir que este foi o “gatilho” que despoletou o trabalho de parto da Luísa, que veio a iniciar-se na madrugada de sábado para domingo…
Estávamos a 29 de Junho de
Mês frio lá pelos pampas gaúchos, açoitados pelo vento minuano (nome de uma etnia índia entretanto já extinta) e que varre de forma inclemente as planícies do Rio Grande do Sul e do Uruguai.
No aconchego da nossa bela cama de madeira de cerejeira (que nos acompanha há 32 anos…), com o frio que fazia lá fora e com o sono pesado que tinha na época, não dei muito crédito aos apelos da Luísa que, por volta da meia noite, dizia que tínhamos de ir para o hospital porque as águas tinham arrebentado! Creio inclusive que lhe cheguei a dizer para ir dormir e que na manhã seguinte iríamos ver o que se passava…
Quando me dei conta, a Luísa já estava pronta e de malinha na mão…
E lá tive de ir!
Foi em horas como esta que me deparei com o tão conhecido “jeitinho brasileiro”, muito na linha do nosso “desenrasca”, mas com mais flexibilidade e jogo de cintura…
Cumpridas as formalidades de internamento e tendo a Luísa sido encaminhada para os serviços de obstetrícia, o bom do Jorge tratou de saber junto de quem poderia obter autorização para assistir ao parto! Na ausência das pessoas da administração do Hospital Fémina em Porto Alegre, a maior e mais abalizada autoridade era a enfermeira-chefe…
Óptimo! Com uma boa argumentação, que desenvolvi nas minhas lides comerciais e de vendas, podia fugir dos meandros burocráticos e podia apelar aos sentimentos da mulher por detrás da profissional!
E foi assim que acompanhei a Luísa na área de pré-parto, devidamente uniformizado da cabeça aos pés, durante todo o período em que o médico tentou induzir o parto pela via normal.
O trabalho de parto durou até às 10:30h da manhã de domingo, quando o médico decidiu optar pela cesariana…
E, firme no meu posto, ao lado da Luísa anestesiada, assisti a um dos momentos mágicos da nossa vida: Ver nascer a nossa Marta, que poderia ter sido chamada de Aline…
Maravilhoso, Marcante e Inesquecível!
A Marta passou umas horas na incubadora e logo nesse mesmo dia, passou para o quarto onde estava a Luísa.
A Luísa, que tinha passado por uma cirurgia com anestesia, estava um pouco combalida, pelo que eu tive de me haver com as primeiras tarefas da paternidade, perante aquela menina a quem eu carinhosamente chamava de “cabeça de alfinete”, pelo facto de vir embrulhada (ou enrolada) numa manta, com os braços para dentro para proteger do frio, ficando apenas com a cabeça de fora. Ora a Marta tinha quando nasceu, salvo erro,
Episódio ilustrativo foi também o da minha chamada urgente a uma enfermeira para “acudir” a um hipotético problema que a Marta apresentava nos olhos, que não paravam quietos, rodando de forma aleatória!!! No que a enfermeira me informou ser absolutamente normal um recém-nascido não ter controlo sobre o movimento dos olhos…
E a Marta, com o seu jeitinho luso-brasileiro, veio para conquistar e conquistou o coração de todas as pessoas que convivem com ela, quer sejam avós, tias e tios, primos e amigos.
Em particular o da sua avó Eduarda, com quem deu os seus primeiros passos, e que nos surpreendeu dirigindo-se a nós quando, vindos de táxi do aeroporto, regressávamos de uma lua-de-mel em Foz de Iguaçu, em Dezembro de 1981.
Mas antes, em Agosto de 1981, quando viemos a Portugal apresentá-la a toda a família, os avós Iolanda e Joaquim já tinham tido a hipótese de conferir a sua capacidade vocal quando, eu e a Luísa fomos passar uma semana escaldante, em todos os sentidos, a Madrid e a deixámos sozinha com os avós maternos... Tinha apenas 14 meses!
Pais desnaturados? Não creio. Ambos sempre entendemos que os filhos, muito amados e desejados que foram, não podiam representar uma barreira ou um impedimento para o que poderíamos chamar de “programas de enriquecimento conjugal”…
Desde esse dia e até ao presente, a Marta é, junto com os seus irmãos, o que de melhor eu fiz na minha vida…
E esse património afectivo e intangível, fruto do nosso amor, foi-me proporcionado pela Luísa, a quem devo muito do que sou como pessoa.
A História segue dentro de momentos...
Dois Pra Lá, Dois Pra Cá – João Bosco/Aldir Blanc, em versão da Elis Regina
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